sexta-feira, 31 de julho de 2015

Três cutucadas às 06:00 am

                                                                          Imagem da Internet

Foi somente ontem que doeu. Ontem, uma semana depois que você saiu dessa casa, sendo realmente o fim, quando chegamos à conclusão que não havia mais possibilidade de recomeço assim como em vários outros fins. Eu pensava que sofreria tanto nos primeiros dias. Ao perceber que eu não deito e acordo mais ao seu lado. Ao entender que agora na mesa é um prato ao invés de dois. Ao descobrir que no banheiro tem apenas uma escova de dente e que aqueles sapatos que estavam guardados por tanto tempo podiam, finalmente, serem doados. Que o cheiro do seu perfume já não exala na casa, misturando-se com o aroma da manhã. Que não há mais brigas pelo controle remoto da TV, pela janela aberta ou fechada a noite. Mas não, nada disso doeu. Como consegui me dar conta de tudo isso sem chorar? Como olhei essas coisas acontecendo e não doeu?
Não doeu ver a porta fechando atrás de você, indicando que não teria mais volta. Não doeu aquele encontro despreparado na esquina, nem mesmo o beijo no rosto dado tão sem jeito. Não doeu entender que agora somos dois seres distintos que não partilham nada além das lembranças daquele um só corpo que fomos um dia. Lembranças que serão levadas de pouco em pouco por cada ano que dobrar a esquina, à medida que outros anos batem à porta trazendo novos projetos, novos objetivos e novos amores.
Ontem à noite, quando tive que desligar o despertador que ficava no automático pronto para me acordar no horário em que somente você tinha necessidade de levantar foi que eu percebi que não havia mais nenhum elo entre nós. Nada tinha doído, até ontem quando percebi que eu não precisava fazer aquilo que fiz, sem nenhuma vontade, esses anos todos.  O que eu menos gostava de fazer foi aquilo que me ajudou a perceber que você não estava aqui, que já havia ido embora e talvez (agora eu enxergo melhor) cedo demais - toda força daquele ponto final escrito há uma semana foi embora para o lixo junto com a opção 06:00 a.m. do despertador do celular. Eu não precisava mais te dar três cutucadas leves para acordar. Pareceu-me que estava ao contrário: agora quem estava recebendo essas cutucadas era eu, me acordando para a realidade e, diferente daquelas que te acordavam, essas doíam. Doíam tanto que eu chorei e senti o frio de estar sozinho numa cama enorme, senti o medo de estar sozinho numa casa também enorme e que cabe direitinho você e suas quinquilharias. Senti o desconforto que a solidão é para alguém implicante - não havia ninguém pra eu dizer que estava errado, para eu discordar. Não havia ninguém para eu acordar no dia seguinte.

Você se lembra de um dia me dizer que eu tinha necessidade de me sentir necessário para os outros? Pois é! Você estava certo. Foi ver que você não precisava mais de mim nem mesmo para te acordar, que me fez despertar e entender que foi eu quem sempre precisou mais de você do que ao contrário, que eu só sou verdadeiramente eu quando estou com você. É mais por mim do que por você que eu te peço e espero que não seja tarde – “pra nós dois nunca é tarde”, lembra que dizíamos isso nas madrugadas repletas de filmes antigos?! – volta pra casa, deixa eu te acordar por pelo menos mais cem anos, mesmo eu reclamando. Afinal, é disso que o amor é feito, de doações dos dois lados, feito de você fingindo que precisa das minhas três cutucadas para acordar e eu fingindo que faço isso por obrigação.

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