Imagem da Internet |
Foi somente ontem que doeu. Ontem, uma semana depois que
você saiu dessa casa, sendo realmente o fim, quando chegamos à conclusão que
não havia mais possibilidade de recomeço assim como em vários outros fins. Eu
pensava que sofreria tanto nos primeiros dias. Ao perceber que eu não deito e
acordo mais ao seu lado. Ao entender que agora na mesa é um prato ao invés de
dois. Ao descobrir que no banheiro tem apenas uma escova de dente e que aqueles
sapatos que estavam guardados por tanto tempo podiam, finalmente, serem doados.
Que o cheiro do seu perfume já não exala na casa, misturando-se com o aroma da
manhã. Que não há mais brigas pelo controle remoto da TV, pela janela aberta ou
fechada a noite. Mas não, nada disso doeu. Como consegui me dar conta de tudo
isso sem chorar? Como olhei essas coisas acontecendo e não doeu?
Não doeu ver a porta fechando atrás de você, indicando que
não teria mais volta. Não doeu aquele encontro despreparado na esquina, nem
mesmo o beijo no rosto dado tão sem jeito. Não doeu entender que agora somos
dois seres distintos que não partilham nada além das lembranças daquele um só
corpo que fomos um dia. Lembranças que serão levadas de pouco em pouco por cada
ano que dobrar a esquina, à medida que outros anos batem à porta trazendo novos
projetos, novos objetivos e novos amores.
Ontem à noite, quando tive que desligar o despertador que
ficava no automático pronto para me acordar no horário em que somente você
tinha necessidade de levantar foi que eu percebi que não havia mais nenhum elo
entre nós. Nada tinha doído, até ontem quando percebi que eu não precisava
fazer aquilo que fiz, sem nenhuma vontade, esses anos todos. O que eu menos gostava de fazer foi aquilo que
me ajudou a perceber que você não estava aqui, que já havia ido embora e talvez
(agora eu enxergo melhor) cedo demais - toda força daquele ponto final escrito
há uma semana foi embora para o lixo junto com a opção 06:00 a.m. do despertador
do celular. Eu não precisava mais te dar três cutucadas leves para acordar. Pareceu-me
que estava ao contrário: agora quem estava recebendo essas cutucadas era eu, me
acordando para a realidade e, diferente daquelas que te acordavam, essas doíam.
Doíam tanto que eu chorei e senti o frio de estar sozinho numa cama enorme,
senti o medo de estar sozinho numa casa também enorme e que cabe direitinho
você e suas quinquilharias. Senti o desconforto que a solidão é para alguém
implicante - não havia ninguém pra eu dizer que estava errado, para eu
discordar. Não havia ninguém para eu acordar no dia seguinte.
Você se lembra de um dia me dizer que eu tinha necessidade
de me sentir necessário para os outros? Pois é! Você estava certo. Foi ver que
você não precisava mais de mim nem mesmo para te acordar, que me fez despertar
e entender que foi eu quem sempre precisou mais de você do que ao contrário,
que eu só sou verdadeiramente eu quando estou com você. É mais por mim do que
por você que eu te peço e espero que não seja tarde – “pra nós dois nunca é
tarde”, lembra que dizíamos isso nas madrugadas repletas de filmes antigos?! –
volta pra casa, deixa eu te acordar por pelo menos mais cem anos, mesmo eu
reclamando. Afinal, é disso que o amor é feito, de doações dos dois lados,
feito de você fingindo que precisa das minhas três cutucadas para acordar e eu
fingindo que faço isso por obrigação.