quarta-feira, 17 de junho de 2015

Se não é uma carta, é um desabafo



Não são nem 11 horas da noite de um sábado e eu já estou embriagado. Sim, logo eu, que prefiro a sobriedade e a certeza de estar entendendo tudo o que acontece em torno de mim, estou embriagado. Na verdade, eu que adoro a sobriedade, ironicamente também adoro os exageros e nem estou tonto assim, bebi uma taça de vinho apenas (foi cerveja, mas vinho é poético), e meu limite é duas taças, conseguiria tranquilamente degustar mais uma antes de sair à procura de um lugar para descansar. Consigo até escrever isso que eu adoraria chamar de carta (também porque acho poético!), mas nem sei se isso que escrevo, de fato, é uma ou essa palavra “carta” só é usada para escritos à caneta, em um papel e entregado por um carteiro ou por um melhor amigo, então chamarei de desabafo e esse desabafo é a mais pura verdade. Sóbria e sem exageros.
 Resolvi usar da bebida como desculpa para chacoalhar meu cérebro e estômago e vomitar, deixar jorrar aqui todos os sentimentos e pensamentos que me cercam e que envolvam você, pela primeira vez, sem me preocupar onde isso pode respingar e qual será o cheiro daqui a algumas horas, ou dias. Eu não me preocupo porque sei que dificilmente você o lerá, e se ler não entenderá que se trata de você, ou do que você representa pra mim, que pode ser pura fantasia. Uma imagem retorcida, vista por um filtro de nome estranho, desses que se usam nas fotos encontradas em redes sociais, mas que pode ser também realmente você. Claro. Nítido. Simplesmente você, debaixo de um holofote visto por mim de longe e perto também. Você, na minha sensibilidade, quase sobrenatural, de enxergar as pessoas como elas realmente o são.
Todas essas palavras combinariam muito bem com perfeição e talvez seja isso que você está pensando - que eu te acho perfeito, mas não. Você passa longe da perfeição e isso é o que me atrai. Exatamente essa sua arrogância em relação aos seus defeitos, essa sua pouca vontade em concertá-los. Logo você que adora essas coisas de evolução pessoal consegue conviver tão bem com seus defeitos, sabe respeitá-los, nunca os menospreza como todos fazem. Você entende que eles têm o seu valor e sua beleza. E isso é irônico, como eu fui ao usar sobriedade e exageros na mesma sentença. Talvez seja essa uma das poucas similaridades que temos: essa coragem inexplicável de se contradizer sem se sentir culpado, nem sequer se sentir menor por dizer que “ama”, “odeia” e nunca “gosto” e “não gosto”. De dizer sim quando, na verdade, quer dizer não. Ir quando quer ficar. Continuar quando deveria parar. De parar quando o melhor era persistir. De tentar quando as chances se esgotaram.
Você que, mesmo tão autêntico, vestiu a fantasia do seu herói favorito e esqueceu-se de ser o que realmente é: humano fraco e indefeso, como todos os outros que estão à procura da felicidade, de se libertar das amarras que nós mesmos nos colocamos e que sequer experimenta, ao menos uma vez, seguir o seu ímpeto, seu desejo, seu coração, mesmo sabendo que ele é traiçoeiro. Quer saber, eu experimentei e gostei. Hoje quase nunca me deixo levar, sigo o meu ritmo, minha vontade.
Você que entende tão bem do sobrenatural e esquece o normal. Você que deseja o mesmo que eu, mas finge que não, mais uma vez se importando com as convenções. Você que apesar de tudo me faz sentir bem e querer sempre melhorar, você que desperta as coisas boas que muitas das vezes ficam guardadinhas na caixinha de lembranças da criança que fui um dia, aquelas coisas que infelizmente vamos guardando ao longo do caminho, mas que cabia muito bem em nossa vida.


Gostaria mesmo de entender você e te ver tão claramente como acho que posso, afinal, tudo seria mais fácil, nossas conversas de minutos se estenderiam por horas, nossa vontade seria grande o bastante para termos coragem de nos vermos, enquanto isso continuo daqui e você daí, separados por quilômetros e unidos pelas diferenças, fingindo que não me importo e você fingindo que se importa. Usando da euforia contida numa taça de vinho para justificar aquilo que eu jamais diria na minha sobriedade cotidiana.

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