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Pedro acordou para
mais um dia de trabalho. Aquele que ele não gosta, mas que ganha bem e paga
suas contas. Entre uma xícara de café e suas duas torradas com requeijão
matinais, ele pensou no sonho da última noite. Mais uma vez aquilo o rodeava. É
assim que ele se sentia: assombrado e encurralado por algo que há décadas foi
um sonho, mas que agora não passa de um pesadelo.
Pedro deixou a xícara
de café de lado, mas sonhos foram junto com ele. Vinte anos carregando-os
consigo para lá e para cá, o mesmo tempo em que não chega atrasado ao trabalho.
Vestiu o odiado uniforme amarelo, trancou a porta, pegou o elevador, disse oi ao
porteiro e se foi. Engarrafamento de novo, é sempre assim, “choveu, parou”.
Pedro chegou ao
trabalho, cumprimentou os amigos e, antes de se sentar, organizou o
porta-retratos. Quem insistia em colocá-lo de lado, sendo que é assim que tem de ficar? A pilha de papeis
nunca diminuía, só mudava de lugar. Hora de começar. Entre cafés e almoço
esquentado no micro ondas, o dia passa, ás vezes rápido como uma sacola
plástica em meio à ventania. Pedro viu pela janela, na tarde de sol quente e
tempo abafado, um rapaz passando com um violão nas costas. Se não tivesse
certeza de que Junior, seu filho estava dentro de uma sala daquela faculdade
americana importante que lhe fugiu o nome, se não fosse isso, poderia jurar que
era seu filho ali. Fugiu-lhe também o fato de que Junior nunca quis tocar
violão, mesmo o pai insistindo tanto. Poderia ser Pedro também, já que Junior
parecia tanto com o pai, assim como o rapaz do violão que já devia estar
chegando ao seu destino se parecia com Junior. E Pedro gostava de violão, então
poderia mesmo ser ele ali se não estivesse cheio de serviço. Pensando nisso,
Pedro sorriu e tentou fazer com os dedos algumas das posições, as primeiras
aprendidas com um artista que ficava na mesma rua da escola de inglês que
frequentou quando era adolescente. Ele até tentou cantar um pedacinho da música
que o sujeito cantava e tocava sorrindo, mas todos ali o olharam, então, Pedro
voltou para a pilha de papeis. Não havia diminuído nem 15 centímetros. 17 horas
– hora de ir embora. Como não poderia ser diferente, engarrafamento de novo. No
segue e para, para e segue do engarrafamento, Pedro cantarolou aquela música.
Mesmo com vontade de cantar bem alto, ele não o fez. Seus colegas de
engarrafamento poderiam não gostar, apesar de ser afinado assim como seu violão
estava na última vez que o usou.
Chegou em casa, viu o
telejornal e pensou que o mundo está mesmo instável e a crise vai demorar
passar. Ele não janta, só come pão, toma um copo de leite ou algo assim. Dessa
vez era leite com Nescau. Lembrou-se do rapaz que viu naquela tarde. Isso ficou
na sua mente o trajeto todo de volta para casa. Pedro pegou seu violão e tocou
um pouquinho. Só um pouquinho mesmo. Já era tarde e seus vizinhos poderiam se
incomodar. Sua mulher já se incomodara. Pedro foi dormir para sonhar mais uma
vez com aquilo.
Mais um dia Pedro
existiu – mas não viveu.
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