segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Pedro


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                                                                                                                                                Foto via
Pedro acordou para mais um dia de trabalho. Aquele que ele não gosta, mas que ganha bem e paga suas contas. Entre uma xícara de café e suas duas torradas com requeijão matinais, ele pensou no sonho da última noite. Mais uma vez aquilo o rodeava. É assim que ele se sentia: assombrado e encurralado por algo que há décadas foi um sonho, mas que agora não passa de um pesadelo.

Pedro deixou a xícara de café de lado, mas sonhos foram junto com ele. Vinte anos carregando-os consigo para lá e para cá, o mesmo tempo em que não chega atrasado ao trabalho. Vestiu o odiado uniforme amarelo, trancou a porta, pegou o elevador, disse oi ao porteiro e se foi. Engarrafamento de novo, é sempre assim, “choveu, parou”.

Pedro chegou ao trabalho, cumprimentou os amigos e, antes de se sentar, organizou o porta-retratos. Quem insistia em colocá-lo de lado, sendo que é assim que tem de ficar? A pilha de papeis nunca diminuía, só mudava de lugar. Hora de começar. Entre cafés e almoço esquentado no micro ondas, o dia passa, ás vezes rápido como uma sacola plástica em meio à ventania. Pedro viu pela janela, na tarde de sol quente e tempo abafado, um rapaz passando com um violão nas costas. Se não tivesse certeza de que Junior, seu filho estava dentro de uma sala daquela faculdade americana importante que lhe fugiu o nome, se não fosse isso, poderia jurar que era seu filho ali. Fugiu-lhe também o fato de que Junior nunca quis tocar violão, mesmo o pai insistindo tanto. Poderia ser Pedro também, já que Junior parecia tanto com o pai, assim como o rapaz do violão que já devia estar chegando ao seu destino se parecia com Junior. E Pedro gostava de violão, então poderia mesmo ser ele ali se não estivesse cheio de serviço. Pensando nisso, Pedro sorriu e tentou fazer com os dedos algumas das posições, as primeiras aprendidas com um artista que ficava na mesma rua da escola de inglês que frequentou quando era adolescente. Ele até tentou cantar um pedacinho da música que o sujeito cantava e tocava sorrindo, mas todos ali o olharam, então, Pedro voltou para a pilha de papeis. Não havia diminuído nem 15 centímetros. 17 horas – hora de ir embora. Como não poderia ser diferente, engarrafamento de novo. No segue e para, para e segue do engarrafamento, Pedro cantarolou aquela música. Mesmo com vontade de cantar bem alto, ele não o fez. Seus colegas de engarrafamento poderiam não gostar, apesar de ser afinado assim como seu violão estava na última vez que o usou.

Chegou em casa, viu o telejornal e pensou que o mundo está mesmo instável e a crise vai demorar passar. Ele não janta, só come pão, toma um copo de leite ou algo assim. Dessa vez era leite com Nescau. Lembrou-se do rapaz que viu naquela tarde. Isso ficou na sua mente o trajeto todo de volta para casa. Pedro pegou seu violão e tocou um pouquinho. Só um pouquinho mesmo. Já era tarde e seus vizinhos poderiam se incomodar. Sua mulher já se incomodara. Pedro foi dormir para sonhar mais uma vez com aquilo.


Mais um dia Pedro existiu – mas não viveu.

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